Armadilhas a desmontar

Opinião
Publicado por Américo Rodrigo
19 de dezembro de 2022 às 11h15min
Foto: Brizza Cavalcante

Por Maurício Rands*

A PEC 32/2022, apelidada “da transição” ou “da gastança”, surgiu no noticiário como se fosse uma necessidade imperiosa. Será mesmo? Ninguém contesta que o bolsa-família deve ser pago pelo novo governo. Ademais, é preciso recompor as verbas para saúde, educação, meio-ambiente, relações exteriores e programas como Farmácia Popular e Minha Casa Minha Vida. Daí a justificativa para a autorização de gastos de R$ 145 bilhões acima do teto de gastos.

Que o país vai precisar de uma nova âncora fiscal ninguém controverte. O teto rígido de aplicação da variação da inflação à estrutura de despesas do orçamento de exercícios passados revelou-se inadequado. Rígido e disfuncional. E desmoralizado por Paulo Guedes a despeito de suas juras de responsabilidade fiscal. E por Bolsonaro ao autorizar o orçamento secreto e outros gastos para tentar a salvação eleitoral. Uma nova âncora fiscal precisa ser mais flexível e inteligente. Capaz de controlar o crescimento da despesa pública através de uma vinculação ao crescimento da relação dívida/PIB. Aí, quando o país estiver crescendo, poderá investir mais. Quando o crescimento sofrer percalços, o governo do dia terá que ser mais restritivo em suas despesas.

Mas a PEC da transição tramita sem esta definição. Que a nova âncora venha depois não é um desastre. O futuro ministro Haddad tem sido preciso ao confirmar a diretriz de política econômica do novo governo. “A responsabilidade fiscal é essencial para a responsabilidade social”. Então não é impossível iniciar o governo com o orçamento atual. Se os recursos previstos não são suficientes para o bolsa-família e outras despesas inexoráveis, pode-se fazer uso do remanejamento de créditos. O Poder Executivo pode encaminhar mensagens ao Parlamento solicitando a aprovação de créditos suplementares para essas rubricas, cortando outras. Pode fazê-lo até mesmo por medida provisória. No segundo semestre, com o governo já montado, depois de removido o entulho e os desmontes do governo da extrema-direita, e já executando um novo programa de recuperação do estado brasileiro, o presidente Lula poderia propor as alterações legislativas necessárias à nova âncora fiscal que viabilize a continuidade desses programas.

A insistência na aprovação imediata de uma PEC autorizativa de gastos acima do teto tem dois inconvenientes. Primeiro, empodera políticos como Arthur Lira que foram cúmplices e coautores daquele que talvez tenha sido o pior governo da nossa história. Oportuniza uma chance para que o velho Centrão continue a chantagear o governo do dia. Isso tem custos. 

Orçamentários, mas também políticos de erosão do capital social e político do governo eleito. Depois, pode corroer parte da credibilidade na política econômica do novo governo. Mesmo sem ficarmos reféns de análises-chantagens feitas em nome desse ser etéreo chamado mercado, alguma perda econômica não deixa de ocorrer. Como se vê na queda de ações, na desvalorização do real e na alta dos juros futuros. Mesmo se tratando de um “deus-mercado” que não se desesperou quando Bolsonaro furou o teto para comprar votos. A esta altura, com as chantagens em curso, melhor seria desistir da PEC. O governo ganharia melhores condições para compor o ministério e não queimaria capital político à toa.

Uma outra armadilha precisa ser desmontada. A flexibilização da Lei 13.303/2016, a “Lei das Estatais”, que acaba de ser aprovada na Câmara. Trata-se de ardil que já havia sido gestado nos fornos nada republicanos do Centrão. À espera da oportunidade. Que veio sob o pretexto plantado de que viria para viabilizar a nomeação de Aloísio Mercadante para o BNDES. Nada mais falso. O verdadeiro objetivo é o de viabilizar outras nomeações de próceres do Centrão para o novo ministério e as estatais. A de Mercadante poderia ser feita sem qualquer mudança na lei das estatais. Com a manobra, o Centrão cumpre três objetivos: viabiliza suas próprias nomeações, culpa o partido do presidente eleito e reduz os espaços de movimentação de Lula para a composição do ministério.  

Essas duas armadilhas são coisas de profissionais de velha política. Precisam ser desmontadas com pragmatismo, equilíbrio e espírito republicano. E para não queimar desnecessariamente o capital político de um governo que foi eleito por uma frente ampla e que precisa de credibilidade para a obra de reconstrução para a qual foi apoiado pela maioria dos brasileiros.

*Advogado formado pela FDR da UFPE, PhD pela Universidade Oxford 

Américo Rodrigo

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