Guerra de escolha e não de necessidade: um erro justifica um outro?

Opinião
Publicado por Américo Rodrigo
28 de fevereiro de 2022 às 03h00min
Foto: Brizza Cavalcante

Por Maurício Rands*

O Ocidente e o seu principal líder  – os EUA – cometeram erros graves na nova ordem que sucedeu a da Guerra Fria. Como bem demonstrou Philip Yang (https://www1.folha.uol.com.br/mundo/2022/02/os-3-erros-cometidos-pelo-ocidente.shtml). A arrogância. A não dissolução e a expansão da Otan, cuja razão de ser eram a URSS e a Guerra Fria. A não construção de uma política de neutralização de territórios. A não antecipação americana de que a China se tornaria seu maior rival e poderia se aliar à Rússia, como agora está ocorrendo. Esses e outros erros justificam a invasão de um estado soberano? A Guerra Fria saiu da geopolítica mundial. Mas será que saiu da cabeça do ex-agente da KGB e dos falcões americanos? Essa arrogância do Ocidente, que chegou a invadir o Iraque sem motivo justo, é causa suficiente para a iniciativa de Putin na Ucrânia?

O controverso conceito de guerra de preempção, que justificaria um ataque preventivo para evitar uma grave ameaça iminente, aplica-se a esse conflito entre a Rússia e a Ucrânia? Existem indícios de que a Ucrânia, ainda que pretendendo entrar para a Otan, estaria ameaçando a soberania da Rússia? É razoável admitir que o ataque à Ucrânia seria justificável como guerra de preempção?

A pretensão da Ucrânia de se incorporar à Otan, como o fizeram Estônia, Letônia e Lituânia, justifica a agressão do autocrata russo? Aliás, depois que esses três países aderiram à Otan, em 2004, houve alguma ameaça de ataque à Rússia? Alguém já viu algum estudo sério ou plano estratégico de algum país ou aliança ocidental visando invadir a Rússia a partir dessas bases da Otan?

A dissolução da União Soviética, em 1991, pode ter deixado até 25 milhões de russos “desconectados” em cada uma das quatorze repúblicas que compunham a URSS. Na Ucrânia de 45 milhões de habitantes, essa minoria russa chega a 18%. Cerca de 8 milhões de pessoas. Para não deixar essas minorias russas “desamparadas”, justifica-se atacar um país e provocar um êxodo de refugiados que pode chegar a 5 milhões? Fosse legítimo o direito de agredir um outro estado soberano para “proteger” suas minorias étnicas, quantos países estariam legitimados a invadir outros em que residem alguns de seus conacionais?

Depois de anexar a Criméia e de sustentar um autocrata leal na Bielorrússia, Putin tenta submeter a Ucrânia sob alegação de que essa seria a única forma de proteger a Rússia. Então, depois que a Ucrânia fosse anexada, qual seria o próximo país de fronteira que deveria ser anexado para garantir a segurança estratégica da Rússia? Restaurar a Grande Rússia do Czar Nicolau é a única forma de prover a segurança que a Rússia necessita?

Os abusos que o governo da Ucrânia pode estar patrocinando contra a minoria russa justificam os horrores de uma guerra de ocupação que viola o Direito Internacional e o Princípio da Autodeterminação dos Povos? A invasão é a única forma de proteger os russos que vivem na Ucrânia?

No passado, a Ucrânia foi parte da Grande Rússia. Assim como o Texas, a Califórnia e o Novo México pertenceram ao México até 1848. Isso justificaria uma guerra de (re)ocupação desses territórios pelo México contra os EUA? O Uruguai já foi nossa Província Cisplatina. Por isso, o Brasil de hoje estaria legitimado a invadi-lo e reincorporá-lo como seu 28º estado?

Em seu livro “War of Necessity, War of Choice: A Memoir of Two Iraq Wars” (2010), o ex-membro do Conselho de Segurança Nacional dos EUA Richard N. Haass identifica dois tipos de guerras. A guerra de necessidade seria a deflagrada por razões últimas de sobrevivência da nação. Caso da dos Aliados diante das ocupações de Hitler. A guerra de escolha é aquela deflagrada por opções de política externa sem a ameaça iminente à própria sobrevivência.

A arrogância e os erros do Ocidente têm sido brandidos pelos que apoiam ou são lenientes com a invasão da Ucrânia por Putin. Eles justificam tantas mortes de um lado e de outro, a destruição da infraestrutura de um país, um ataque cibernético que desorganiza a vida e a produção de seus habitantes e a disrupção da economia mundial? Cada leitor tem a sua avaliação. De minha parte, alertado por Dorrit Harazim (O Globo, 27-2-22), aqui transcrevo uma fala de Pepe Mujica, do alto dos seus 86 anos de sabedoria: “Será possível que a humanidade do futuro não possa abandonar os orçamentos militares, a loucura da guerra?” Um primo muito querido tem um filho que se casou com uma ucraniana e mora em Kiev. A eles dedico este artigo, esperançoso de que ele e a família consigam escapar dos horrores dessa guerra insana.

*Maurício Rands
Advogado formado pela FDR da UFPE, PhD pela Universidade Oxford

Américo Rodrigo

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