Artigo: Um pequeno conto de desatenção em tempos pré-eleitorais

Opinião
Publicado por Américo Rodrigo
16 de abril de 2020 às 15h28min
Foto: Divulgação

João, um ser falador, desde criança ouvia seu pai dizer: “esse menino um dia vai ser político!” De tanto falarem e de ele mesmo fazer, decidiu ser político nas eleições de 2016. Na peleja da vereança teve um caminhão de votos, mas seu partido vereador algum elegeu.

– Como assim? Como assim?

João, um típico brasileiro, que não desiste nunca, na virada do ano de 2020 já sabia da peleja de vereança daquele ano.

Filiou-se no partido ROXO, fez um acordo de cavalheiros com o líder do partido e cuidou de se fazer notar pro povo do novo partido. Queria, João, na convenção ser escolhido, para depois se tornar mais conhecido!

Dito e feito. Deu-se agosto, tocaram os sinos das eleições, e João, achava ele, já podia pelo povo ser escolhido.

Mas não foi bem desse jeito… Deu finalzinho de agosto e João recebeu uma carta do juiz que ficou guardada na memória por assim dizer: 1. NÃO COMPROVAÇÃO DE FILIAÇÃO 2. AUSÊNCIA DE CONDIÇÕES DE ELEGIBILIDADE 3. REGISTRO DE CANDIDATURA INDEFERIDO.

João, com a mão na cabeça, mas de cabeça erguida, já sabia a solução: “vou achar a cópia de papel carbono daquela danada da ficha de filiação”.

Seu juiz explicou que a ficha por ela mesma não podia, sozinha, confirmar a filiação; que o nome de João não constou na lista oficial de filiados do partido ROXO por algum equívoco, mas João não pediu pra incluir seu nome no prazo certo. Agora, então, não podia pelo povo ser escolhido!

– Como assim? Como assim?

Esse pequeno conto de desatenção ilustra, por antítese, as atenções que os pré-candidatos e os partidos políticos precisam ter neste período pré-eleitoral.

Apesar de eu, e tantos outros, apostar que as eleições 2020 não acontecem em 04 de outubro em razão da crise sanitária que vivemos, enquanto o Congresso Nacional, excepcionalmente, não alterar a Constituição para permitir tal adiamento, os prazos e obrigações organizacionais e formais permanecem incólumes.

Nesse ínterim, agora no mês de abril, não só transcorreu o prazo de 6 meses antes das eleições para os pré-candidatos estarem regularmente filiados e com domicílio eleitoral fixado, como, por conseguinte, acaba de esgotar-se o prazo para consolidação da lista oficial de filiados pelos partidos políticos.

O artigo 19 da Lei 9.096/1995, a Lei dos Partidos Políticos, impõe a obrigação dos partidos lançarem no sistema filiaweb da Justiça Eleitoral o nome de todos os seus filiados, com as respectivas datas de filiação, número de título de eleitor e seção.

Por sua vez, impõe aos pré-candidatos o que chamo de dever de vigilância, pois, caso haja alguma incongruência não saneada pelo partido político, esses podem se alicerçar no §2º do mesmo artigo da Lei dos Partidos Políticos e requerer diretamente à Justiça Eleitoral a inclusão de seu nome em lista especial.

Esse expediente, que não pode se realizar ao tempo do registro de candidatura, seria suficiente para evitar que histórias como a de João ocorram de verdade, pois seria o trâmite mais adequado para comprovar a filiação partidária regular 6 meses antes de pleito, uma das condições de elegibilidade.”

Anne Cabral 

Professora, advogada eleitoralista, membro da Comissão de Direito Eleitoral da OAB-PE, mestre em Direito Político e Econômico pela Universidade Presbiteriana Mackenzie

Américo Rodrigo

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