“O oportunismo é uma das principais características do jogo político no Brasil. A maior regra é sempre tentar mudar a regra no meio do jogo. Por isso, não foi à toa que muitos se apressaram em defender o adiamento das eleições municipais deste ano. A crise provocada pela pandemia do corona vírus apresentou uma chance quase perfeita para o exercício desse nosso oportunismo diário.
O motivo é óbvio. A chegada da pandemia provocou mudanças significativas no quadro político nacional e em questão de dias vai começar alterar o quadro político local. Em um cenário tão incerto, as estratégias traçadas antes da pandemia perderam eficácia, pois neste momento a percepção e a expectativa do eleitor em relação aos seus governantes vai começar a ser guiada pelo seu desempenho perante a pandemia. E Caruaru não deve ficar de fora desse movimento.
Nos últimos anos a prefeita Raquel Lyra conseguiu se colocar à frente do processo político da cidade buscando dar volume ao governo por meio de uma série de obras de infraestrutura financiadas pelo empréstimo de 83 milhões do FINISA. Até agora, o governo Raquel Lyra navegava em mares tranquilos. Não foi alvejado por uma oposição articulada, nem enfrentou problemas administrativos graves e ainda contou com o aporte do empréstimo que oxigenou sua estratégia e a blindou contra o isolamento político.
Agora nada disso serve mais. A crise da pandemia deslocou – e vai deslocar ainda mais – a percepção e a avaliação do eleitor para um dos pontos mais frágeis de qualquer prefeitura: a saúde pública. O município exerce um papel muito importante na gestão da política de saúde,o que não dá espaço para a terceirização de responsabilidades (o que é possível fazer, por exemplo, quando se trata de segurança pública). A cada dia uma parte da sociedade vai demandar mais ações de isolamento enquanto outra parte deve pressionar pela sua flexibilização. O conflito entre estes dois grandes interesses exercerá grande pressão sobre o governo municipal.
É uma crise que vai expor todos os gestores a um teste muito duro. Dificilmente alguém sairá ileso, mas é a sua condução e as medidas adotadas para mitigar os efeitos mais perversos (leia-se: mortes) que serão cruciais para determinar o rumo das próximas eleições.
E não se trata de uma tarefa simples. Os casos em Pernambuco dispararam, a subnotificação e a falta de testes já é uma situação evidente. E o nosso comportamento social reticente, minimizador e completamente averso ao cumprimento de regras é o fermento para uma crise dramática.”
Vanuccio Pimentel
Doutor em Ciência Política
Professor da ASCES-UNITA