
Por Gustavo Rocha*
Tem chamado a atenção a quantidade de notícias sobre a ofensiva de Donald Trump contra o Brasil. O público pode consultar, se quiser, a quantidade de notícias na mídia nacional e internacional a este respeito. E essa atenção toda, não é apenas pelo grau de excepcionalidade (para usar uma palavra sem juízo de valor) das medidas, mas pelo viés político declarado da ação.
Vamos rememorar brevemente os acontecimentos: Dia 9 de julho deste mês, Trump anuncia, através de uma carta (que parecia apócrifa, e precisou ser confirmada pelo Itamaraty com o representante da embaixada, devido à sua forma e conteúdo) uma taxação extra de 50% sobre as importações de produtos brasileiros. Na carta, o Presidente dos Estados Unidos da América, anuncia de forma explícita as razões para a medida: As ações correntes no judiciário brasileiro contra o ex-Presidente da República, Jair Bolsonaro (que ele chama de caça às bruxas); Supostas medidas de censura às redes sociais (decisões judiciais de retirar conteúdos ilegais); E um suposto déficit comercial com o Brasil.
Em relação à única justificativa econômica presente na carta, diferente do que alega o documento, e as falas da Casa Branca, os EUA tem um saldo positivo na balança comercial com o Brasil (ou seja, eles vendem mais do que compram de nós). Ainda que houvesse um déficit (um saldo negativo), sem práticas desleais por parte do Brasil, isso não seria um problema do ponto de vista da regulação e do direito internacional sobre o comércio.
O documento (esta carta) teve um impacto na política nacional semelhante às tentativas de Donald Trump e de seus aliados de interferir em eleições de outros países. A declarada tentativa de interferir no funcionamento do judiciário brasileiro uniu diferentes forças políticas, diferentes setores, contra o Presidente Trump. Ainda que hajam diferenças sobre o tom e extensão das respostas necessárias, com exceção do núcleo familiar dos Bolsonaro, a defesa da soberania e da independência do poder judiciário tomaram posição de centralidade na política nacional.
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Entrar no canalComo se não bastasse o documento inicial, Donald Trump tem feito outros anúncios, entre eles de que irá investigar o PIX, estuda desligar o GPS no Brasil, e sanções pessoais contra os membros do judiciário, deixam ainda mais claro esse viés de intervenção na política nacional e no judiciário brasileiro. Em relação ao PIX, parece uma inicativapara agradar empresas como a Meta e o X, que pretendem expandir seus métodos digitais de pagamento para o Brasil. Mas em relação ao GPS, essa medida nunca foi tentada, nem em invasões feitas pelo país, nem em guerras do interesse de Washington, como a recente guerra de Israel contra o Irã. De fato, eles têm “o botão” para desligar o GPS, mas por que nunca utilizaram essa arma?
Se havia alguma expectativa, por parte de Bolsonaro, de seus filhos, e de aliados próximos, que as ameaças de Trump fizessem o judiciário recuar, e pusesse a opinião pública contra o judiciário e o atual governo, essas expectativas foram completamente frustradas. Aliás, as falas de Eduardo Bolsonaro, que atua nos EUA em prol dessas ações têm sido encaradas com constrangimento por seus aliados, e com indignação pela maior parte da sociedade. O Ministro Alexandre de Moraes, ontem, decidiu autorizar uma operação da Polícia Federal para realizar busca e apreensão, além da instalação de uma tornozeileira eletrônica em Bolsonaro. E na justificativa, estavam as falas de seu filho, e do próprio Bolsonaro, que segundo o ministro, caracterizaram que estavam usando sua relação com o atual governo dos EUA para chantagear o Brasil e obstrução de justiça.
Esse sentimento de união pela soberania nacional tem sido virtuosamente capitalizado pelo governo federal, que transformou a resposta oficial em uma campanha bem sucedida na mídia (tanto tradicional, como nas mídias sociais). A postura do governo federal, firme, mas equilibrada, e com vários mêmes bem-humorados, tem fortalecido a imagem do Presidente Lula, e do Governo Federal. E isso pode ser verificado nas últimas pesquisas de popularidade.
O Governo do Brasil iniciou uma série de tentativas de estabelecer diálogos, com a sociedade e setores da economia nacional, com representantes oficiais do governo dos EUA, com empresários dos EUA. Há uma disposição de realizar negociações na esfera técnica, e tentar reverter ou pelo menos minimizar as taxas anunciadas. Até um dos principais aliados de Bolsonaro, Tarcísio de Freitas, governador de São Paulo, tentou entrar nas negociações (embora não tenha poder constitucional para representar o Brasil nessas negociações, só podendo agir de forma complementar e não divergente do Itamaraty e da Presidência da República). Esse episódio, de Tarcísio, demonstra a clara tentativa de se dissociar das ações de Eduardo e Jair Bolsonaro.
Ainda há, uma percepção por parte de vários economistas, que apesar de serem ruins para a economia brasileira (de uma maneira geral), as medidas anunciadas por Donald Trump, se efetivadas, podem ter impacto de deflação no mercado nacional, em relação aos principais produtos exportados pelo Brasil para os EUA. Carnes, café, laranja, açúcar, aço, e petróleo, por exemplo, podem vir a ter redução de preços, em face do aumento da oferta no mercado doméstico. Isso, se as medidas anunciadas forem efetivadas.
Além das medidas contra o Brasil, Donald Trump também anunciou medidas contra o BRICS e países membros do bloco. Algumas delas, segundo economistas, seriam impraticáveis, pois sobretaxariam praticamente o mundo inteiro. Um dos exemplos, é a ameaça de sobretaxar em 100% todos os países que realizarem qualquer negociação com a Rússia. Nós, como importadores de fertilizantes russos, teríamos muita dificuldade em encontrar um parceiro que substituísse nossa principal fonte desse insumo, essencial para o agronegócio brasileiro.
Por enquanto, as medidas anunciadas pela Casa Branca, resultaram em uma reação oposta à expectativa por parte do Brasil. O que não é exatamente uma surpresa, em face dos recentes episódios no Canada e na Alemanha. Porém não é possível prever até que ponto o chefe de Estado dos EUA está disposto a ir com essas medidas. Certamente, se implementadas, criariam algumas turbulências graves na economia brasileira e mundial. Mas não necessariamente, essa turbulência gerará algum benefício para seu governo. Pelo contrário, o maior prejudicado seria o cidadão comum dos EUA, através da inflação e da escassez de alguns produtos. Isso, certamente, teria impactos bastante negativos para seu partido nas eleições de meio de mandato.
Não parece que essa nova crise está esgotada. Ainda teremos mais episódios. Mas, segundo apuração da CNN, o presidente Trump estaria frustrado com as reações nos países alvos das medidas, especialmente, com relação ao Brasil. E, como disse, é impossível prever quais serão seus próximos passos, devido à seu comportamento errático e instável. Nos resta apertar os cintos, e torcer pelo melhor.
*Internacionalista e cientista político