Quando Jorge Zaverucha escreveu o livro Frágil Democracia (2000) não foram poucos os críticos a olhar com ceticismo os argumentos apresentados. Provavelmente porque a conjuntura sinalizava conquistas importantes em espaços antes dominados por militares. A criação do Ministério da Defesa em 1999, por exemplo, e a posse de um ministro civil foram alguns destes sinais que apontavam para uma diminuição do espaço político ocupado pelos militares.
Porém, vinte anos depois, a história parece dar razão ao argumento de que os militares conservaram enclaves na máquina pública, notadamente na política de segurança pública, e que com o passar do tempo iriam avançar sobre outras áreas da vida pública.
Pela primeira vez, desde a redemocratização, as forças armadas entram na arena política apoiando ostensivamente um governo, chefiando ministérios importantes e ocupando inúmeros espaços nos segundos e terceiros escalões. Diante desse novo cenário político, parece ser um pouco apressado considerar que o abraço de Jair Bolsonaro ao Centrão significa a volta do presidencialismo de coalizão nos moldes que assistimos nos últimos trinta anos.
Em primeiro lugar, é salutar recordar que uma das regras fundamentais da convivência democrática é a responsividade. E ser responsivo implica enfrentar custos políticos. Assim, construir acordos de votação com o Congresso, encarar a opinião pública, conviver com o escrutínio diário da imprensa e correr o risco de ser alvo do ministério público e de toda a artilharia do judiciário são alguns dos custos políticos básicos de nossa democracia. E nenhum ator político pode se esquivar destes custos.
Mas estamos vendo ocorrer algo absolutamente inusual. Os militares são um dos pilares mais importantes do governo de Jair Bolsonaro, atuam como força política no governo, com militares da ativa em inúmeros cargos, mas não aceitam enfrentar nenhum custo político. O recente artigo escrito pelo vice-presidente da República é sintomático dessa posição. Isenta-se de quaisquer custos políticos e os redistribui para todas os demais atores, poderes da República e meios de comunicação.
Mas, mesmo se recusando a enfrentar qualquer custo político, são os militares que articulam com o centrão o apoio parlamentar ao governo na tentativa de barrar qualquer pedido de impeachment. O ministro Luiz Eduardo Ramos – que é um militar da ativa – ocupa o cargo de Ministro da Secretaria Geral é o principal articulador do governo junto ao Congresso.
A pergunta que fica é: até que ponto esta estratégia dos militares de fazer política se recusando a enfrentar os custos políticos vai elevar poder de barganha de Jair Bolsonaro presidencialismo de coalizão? Até hoje o centrão não apoiou nenhum governo no qual teve pagar sozinho os custos políticos da coalizão. Todos os governos precisavam carregar o piano. E o piano sempre foi pesado.”
Vanuccio Medeiros Pimentel
Doutor em Ciência Política (UFPE)
Professor da ASCES-UNITA